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A girl's life

A girl's life

Julho 15, 2016

Filipa Iria

Um ano. Fez ontem exactamente um ano que a vida me pos à prova.

Sempre que fecho os olhos ainda sinto aquela sensação, aquela aflição. Fecho os olhos e ainda sinto aquela água, aquele vapor, naquela temperaturas indiscritivel a atingir-me o rosto, a mão, o braço, as costas.

Lembro-me como se fosse ontem cada pormenor. O meu grito, as minhas lágrimas e o meu pensamento naquele momento.

"Totalmente desfigurada" era o que ecoava na minha cabeça e o que transmitia toda aquela dor, ardor, desespero.

Não conseguia falar, só chorar.

Tive medo de me ver ao espelho, muito medo daquilo que iria encontrar. Felizmente, era eu.

Totalmente vermelhada e inchada, mas aparentemente bem.

Segui para o hospital onde o médico que me atendeu na urgência me receitou cremes e pouco me disse.

Queimadura de segundo grau, fiquei a saber mais tarde, por outro médico.

Do hospital segui para casa da minha irmã mais velha, com todos à minha volta, ainda em choque.

Nas minhas bochechas comecei a ver pequenas bolhas a formarem-se. Pos creme e fiz-me de forte.

Por volta das quatro horas da manhã acordo. Sinto-me muito inchada. Ai sim, já sabia o que esperar quando me visse ao espelho.

Completamente inchada, pescoço, cara, o dobro. E coberta de bolhas.

Um monstro. Foi o que me senti.

No dia seguinte tinha de ir marcar consulta com o cirurgião plástico, mas assim que cheguei pedi para ser logo atendida.

Assim que o médico que me atendeu na noite anterior me viu, toda uma expressão de surpresa apoderou-se do seu rosto e só me surgiu um "Pois, ontem não estava assim não é".

Não me explicou o que iria acontecer, as fases que uma queimadura passa, uma grande falha que eu merecia saber para me preparar para o que ai vinha. Mas tive de descobrir primeiramente, apenas por mim, a cada novo acordar, dia após dias.

"Gostava que ficasse internada, mas não temos vagas".

Mas tive vários anjos da guarda. Acredito seriamente nisso.

Um deles, uma médica da Unidade de Queimados de Lisboa, que me acompanhou via telefone e e-mail. Que se disponibilizou para ajudar no que fosse necessário, mesmo a 300 km de distância. Graças a ela sabia o que fazer sempre que havia uma nova reacção no meu rosto.

A minha familia, o meu namorado, os meus amigos. Foram os meus enfermeiros, em casa. A por creme, a limpar, a tratar de mim.

Os dias seguiram-se, assim como as várias fases de cicatrização, inchar, criar as bolhas, romperem-se, criar feridas, crosta, sair tudo, ficar com uma nova pele, ainda praticamente em sangue, tornar-se rosa, e depois branca.

Mentiria se dissesse que foi fácil. Não foi. Foi complicado ver-me ali, deitada, sem poder sair de casa, sem poder fazer esforços, a ver um rosto que não era o meu.

Houve momentos de fraqueza em que tive medo, que as lágrimas falaram mais alto. Mas os momentos em que a força foi maior, foram bastante mais.

Nunca ninguém imaginou que iria sair deste episódio sem marcas bastante visiveis. Era a preocupação de todos, embora não a dissessem em voz alta. Eu sabia que era.

Era a minha, mas tentava não pensar nisso, não me massacrar com essa possibilidade.

Um ano passou.

Todos os dias me lembro do que aconteceu e da sorte que tive. Sim, sorte.

Tenho marcas. Mas só eu e os mais próximos sabem que as tenho. São visiveis a quem sabe.

Felizmente.

Tenho uma pele de bebé, frágil, branca e agora bastante mais fininha.

Tenho de ter mil cuidados, mas estou aqui.

Sai vitoriosa e sai com mais força para aquilo que a vida poderá por no meu caminho daqui adiante.

Ontem fez um ano que aprendi que a vida é para ser vivida um dia de cada vez.

 

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